Descrição

A historiografia da segunda metade do século XX sublinhou o quão complexo pode ser o estudo do fenómeno inquisitorial. O problema interpretativo desta longa história assume diferentes características consoante as perspetivas: a imagem, a perceção, o seu entendimento coevo ou posterior, entrecruzam-se com o devir histórico do Santo Ofício, entre análises gerais, tout court, e outras mais circunscritas às realidades particulares. Se, por um lado, Edward Peters (1989) mostrava como, de forma geral, existem dois momentos históricos distintos relativos à Inquisição, isto é, o período medieval e a época moderna, por outro lado, propunha uma distinção fundamental entre “Inquisição”, entendida no singular e com maiúscula, derivada do cariz mitificado e representativo, e as “inquisições”, com minúscula, com os respetivos desenvolvimentos histórico-sociais-institucionais.

De um outro ponto de vista, é de destacar o importante contributo da historiografia espanhola – concretizado em publicações coletivas – que durante os anos oitenta do século XX analisou em sentido diacrónico (desde a fundação em finais do século XV até ao processo de abolições dos séculos XVIII-XIX) e sincrónico (da Europa à América) o Santo Ofício espanhol enquanto sistema, fornecendo aos historiadores um modelo interpretativo do fenómeno inquisitorial capaz de abrir novas linhas de investigação, tanto em sentido político-institucional, como religioso-social e cultural. Recentemente, Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva encetaram uma leitura integrada para o caso português, proporcionando uma narrativa inclusiva das realidades peninsulares e do mundo imperial na sua obra História da Inquisição Portuguesa (2013).

Neste contexto, Francisco Bethencourt, na primeira edição portuguesa do seu estudo comparativo (1994), retomava a perspetiva sistémica espanhola e introduzia o carácter plural desse fenómeno, assumido no título, História das Inquisições. Como sublinhava o historiador português, sob o termo Inquisição residem conceitos e realidades diferentes. O conhecimento de uma realidade concreta – segundo Bethencourt – não permitiria um acesso direto ao entendimento de outras, não obstante, devia-se procurar elaborar uma metodologia comparada capaz de transcender o provincialismo em que muitas vezes se cristalizam os estudos de caso.

A evolução desse debate historiográfico teve como ponto de chegada, mais recentemente, a experiência coletiva do Dizionario Storico dell’Inquisizione (2010), dirigido por Adriano Prosperi, uma iniciativa que beneficiou, sem dúvida, da abertura do Archivio Storico della Congregazione per la Dottrina della Fede em 1998. Essa experiência, para além de ter permitido de forma conjunta a superação de esquemas cronológicos rígidos – como a divisão entre a medievalidade e a época moderna – proporcionou aos diferentes investigadores uma estrutura com diretivas homogéneas a partir das quais enquadrar pluralidades históricas e historiográficas.

Para além das interpretações no singular ou no plural – determinadas pelas tendências micro-históricas ou pelas necessidades de uma História Global – o objetivo deste grupo de trabalho é o de abordar este complexo esquema interpretativo, retomando a proposta original de Bethencourt, com a finalidade de conectar o estudo das várias realidades inquisitoriais – do contexto europeu ao mais amplo espaço mundial – sob o prisma de uma metodologia comum e comparada.

Partindo de uma análise da história institucional das Inquisições, pretende-se problematizar os seus momentos constitutivos e a formação de cada sistema inquisitorial. Esse aspeto possibilitará individuar e aprofundar o conhecimento sobre as estratégias de ajustamento postas em prática pelo Santo Ofício, bem como pelas sociedades em que se inseriu. O grupo – com base neste quadro historiográfico e metodológico – defende que esse conhecimento pode evidenciar qual foi o impacto e o papel exercidos pelas Inquisições na evolução das sociedades modernas e contemporâneas.