A Construção da Administração Pública. Os Funcionários Eclesiásticos do Estado Liberal no Espaço do Patriarcado de Lisboa (1820-1911)

Descrição

A modernização do Estado e da sua máquina administrativa constituiu um dos elementos centrais das reformas empreendidas pelo liberalismo oitocentista. O objetivo de uma gestão integrada, tendencialmente centralizada e eficaz do território implicava conter e controlar outras instituições, agentes e poderes, simbólicos ou fácticos. Uma das consequências directas desse processo foi a profunda transformação do enquadramento jurídico das estruturas eclesiásticas e do seu modo de funcionamento. Com a confessionalização do Estado, nos termos do art. 6 da Carta Constitucional, a escolha do pessoal eclesiástico – bispos, cónegos e párocos – passou a ser prerrogativa exclusiva do Executivo (art. 75, §2), conduzindo à integração das estruturas eclesiásticas nas instâncias administrativas do Estado, donde resultou uma união profunda entre Estado e Igreja.

Neste quadro, os eclesiásticos – com relevância para o clero paroquial – foram integrados no corpo de funcionários do Estado. Dada a carência de pessoal preparado e em número suficiente, o Estado impôs a estes funcionários eclesiásticos um conjunto de tarefas, estipuladas pelo Direito Administrativo, que os tornava agentes decisivos do enquadramento territorial das populações e da conformação dos indivíduos com a nova ordem política.

O apogeu do processo de unificação concretizou-se no concurso público, de âmbito nacional e gerido centralmente pelo Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, através do qual se passou a escolher os párocos (1862). Daí resultava, entre outos elementos, uma elevada mobilidade desses indivíduos pelo território nacional e, consequentemente, a diminuição do poder de intervenção dos bispos, também eles integrados nas novas estruturas de poder como Pares do Reino. Aquele concurso público estendia aos empregados eclesiásticos o mecanismo de escolha aplicado aos funcionários civis da administração central, reduzindo a intervenção dos prelados e facilitando a influência de outros poderes (político-partidários e redes sociofamiliares) na determinação dos seus resultados.

As informações processuais que resultam destes processos concursais constituem uma fonte privilegiada para a identificação dos indivíduos que foram protagonistas decisivos da administração periférica do Estado português e a sua face visível durante quase um século. Conhecer esses indivíduos, os seus dados biográficos, a sua extração geográfica e social, os seus percursos formativos e as suas carreiras torna-se imprescindível para uma avaliação aturada, solidamente documentada e problematizante do processo de operacionalização da administração pública portuguesa.

Pela sua relevância simbólica e a sua dimensão geográfica (correspondente ao espaço dos atuais distritos de Leiria, Lisboa, Santarém e Setúbal), o Patriarcado de Lisboa constitui uma unidade territorial de importância capital no quadro da Administração Eclesiástica do Estado, como então era designada. Próximo dos centros do poder político, cultural e religioso, o Patriarcado integrava regiões muito diferenciadas, tanto na sua composição social, quanto na estrutura de propriedade e paisagem económica.

O presente projeto visa recolher as informações de natureza biográfica (nome, datas de nascimento e óbito; filiação; local de nascimento e óbito) e profissional (formação, etapas da carreira administrativa) dos eclesiásticos que, nessa condição, fizeram parte do corpo de “servidores do Estado” enquanto párocos, competindo-lhes a administração de unidades parcelares do território, as paróquias que, para efeitos de natureza administrativa, equivaliam ao território das freguesias. Estes elementos constarão da base de dados Registo da Paroquialidade Portuguesa Contemporânea, a disponibilizar no final do projeto.

Equipa

Sérgio Filipe Ribeiro Pinto (Investigador principal)

Paulo Alexandre Alves (Investigador e responsável técnico)

António Matos Ferreira (Consultor)

Financiamento

Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do programa de apoio a projetos de investigação no domínio da Língua e Cultura Portuguesas - abril de 2016