Crença e Cidadania: Organizações e Imprensa Católicas na Sociedade Portuguesa no Século XX

Descrição

Este projeto visa contribuir para o desenvolvimento do conhecimento acerca de uma das questões centrais da modernidade, em destaque no atual debate público: a relação entre o sentido da crença e o exercício da cidadania, a partir do estudo histórico de dois sectores pouco trabalhados na historiografia portuguesa: as associações ou “organizações católicas”, em crescimento desde o século XIX; e o correlato aparecimento da “imprensa católica”, desde as campanhas em prol da chamada “boa imprensa”, até ao desenvolvimento de uma alargada rede de títulos a nível da informação geral, da propaganda religiosa e da doutrinação social. Esta análise far-se-á no quadro mais vasto da reflexão sobre religião e sociedade, mormente a partir da afirmação dos modelos de laicidade e de pluralidade enquanto horizonte da vida em comum no seio das sociedades.

Situando-se no campo do pensamento, em relação com os processos de definição simbólica e de procura ou afirmação de significados e de valores, as crenças religiosas contribuem para a construção de mundividências sociais, cuja dinâmica e transformação interessa compreender. As crenças, ao implicarem um sentido de pertença, contribuem para a definição de espaços de identificação, aos níveis pessoal e coletivo, articulando-se diretamente com o exercício da cidadania. A cidadania dos crentes católicos enquanto tal desenvolve-se nos espaços comuns a todos os demais cidadãos e, simultaneamente, em espaços específicos, seja ao nível das organizações religiosas com impacte nos domínios social, cívico e político, seja através de formas específicas de intervenção no espaço público, de que a imprensa católica é expressão paradigmática. Crença e cidadania emergem assim como duas polaridades na estruturação das sociedades contemporâneas.

Sendo a história portuguesa contemporânea marcada pela passagem de um modelo de “confessionalidade católica”, resultante de uma situação histórica e sociológica de hegemonia do catolicismo, para o de uma sociedade de pluralidade cultural e de laicidade no plano religioso, a sua análise permitirá compreender como este complexo processo histórico acompanhou e contribuiu para o processo de modernização da sociedade, para a recomposição das dinâmicas religiosas e a reconfiguração do próprio campo católico em Portugal, ao longo do século XX. O projeto centra-se no estudo do catolicismo português, permitindo acompanhar as mudanças da sociedade ao longo do século, enquadrada politicamente por vários regimes, mas aberto a uma perspetiva comparativa com a evolução verificada noutros países.

Os dois sectores em apreço – as organizações ou associações e a imprensa - constituem alguns dos novos terrenos de afirmação de mundividências e de construção de sociabilidades no mundo contemporâneo, bem como formas de expressão pública e de combate ideológico entre diversas instituições e protagonistas. Em reação contra certos aspetos da modernidade trazida pelo liberalismo e pelo socialismo oitocentistas, estas novas formas de organização e de iniciativa contribuíram, ao longo da época contemporânea, para a transformação do próprio universo do catolicismo, seja em termos da valorização do protagonismo dos leigos (o fiel comum ou crente católico), seja em termos de processos de construção ou transmissão de uma identidade religiosa.

O projeto partiu de alguns estudos e investigações preliminares já realizados no âmbito do CEHR, unidade de acolhimento e a que se encontram vinculados a maioria dos investigadores. O apoio financeiro concedido pela FCT (Ref.ª PTDC/HIS-HIS/113765/2009) permitiu a realização de um programa de conjunto, materializando-se na produção de novos instrumentos de trabalho que ficam ao dispor da comunidade científica em geral.